Analgesia por Infusão Contínua em Gatos
Escrito por: Bruna Sarri, Jaqueline Pizzaia, Mariana Sanches e Adriano Carregaro
Aqui no site do NAVE já disponibilizamos três posts comentando sobre infusões contínuas em cães: com opioides, agonistas alfa-2 adrenérgicos, lidocaína e cetamina. Nesse post vamos destacar os principais medicamentos utilizados como infusão contínua em gatos, especialmente no período transoperatório. O tratamento da dor gatos pode é mais desafiador que em cães, especialmente porque há diferenças de metabolismo entre essas espécies. Então, nem sempre podemos extrapolar doses e taxas de infusão de um para o outro.
Principais opioides administrados por Infusão Contínua em Gatos
Fentanil
É uma boa escolha para infusão contínua trans e pós-operatória, principalmente em pacientes críticos, pois a taxa de infusão pode ser rapidamente ajustada e raramente causa disforia em doses analgésicas, sendo efetivo no tratamento de dores moderadas a intensas.
Dose bolus: A dose bolus recomendada é de 1 a 3 μg/kg, IV.
Infusão contínua: Durante o período transanestésico pode ser utilizado de 5 a 10 μg/kg/h, e de 2 a 5 μg/kg/h no pós-cirúrgico, especialmente em pacientes politraumatizados ou com dor moderada associada a procedimentos ortopédicos. A analgesia residual é ao redor de 20 minutos após parada a infusão contínua, mas dependerá do tempo total de infusão.
Possíveis efeitos adversos: Em geral, deve-se atentar aos efeitos indesejáveis comportamentais, como sedação, que pode ocorrer com infusões acima de de 5 μg/kg/h. Os animais também podem apresentar salivação profusa e euforia. Doses acima das recomendadas devem ser evitadas pois promovem depressão respiratória.
Remifentanil
O remifentanil é rapidamente metabolizado por vias extra-hepáticas, com meia-vida de aproximadamente 6 minutos, sendo seu uso preferível em pacientes com doenças hepáticas e/ou renais. Contudo, devido a isso, o remifentanil não gera analgesia residual, sendo indispensável a manutenção do paciente em infusão contínua para que se tenha uma analgesia adequada.
Infusão contínua: A taxa indicada para analgesia é de 4 a 6 μg/kg/h. Não há necessidade de bolus inicial.
Possíveis efeitos adversos: Em animais conscientes submetidos a taxas superiores a 1 μg/kg/min, pode ser observado disfóricos e agitação.
Morfina
A morfina é um opioide agonista total que pode ser utilizado em gatos, mas pode causar excitação e disforia. Isso é decorrente da dificuldade em metabolização da morfina, gerando a morfina-6-glicuronídeo (M6G). Nesse caso, há chances maiores de acúmulo de morfina em infusões contínuas, quando comparado aos cães.
Dose bolus: A dose bolus recomendada é de 0,1 a 0,25 mg/kg, IM.
Infusão contínua: A taxa indicada para analgesia é de 0,05 a 0,1 mg/kg/h.
Possíveis efeitos adversos: Liberação de histamina, sedação, êmese, náusea, depressão respiratória e cardiovascular.
Metadona
Como mostrado no post sobre o uso da metadona, além de seu potente efeito analgésico, a metadona também pode promover efeitos sedativos que se assemelham aos da morfina, contudo, com menor incidência de efeitos indesejáveis, sendo uma boa opção de infusão contínua nessa espécie.
Dose bolus: A dose bolus recomendada é de 0,1 a 0,25 mg/kg, IV, administrado entre 1 e 2 minutos.
Infusão contínua: A taxa indicada para analgesia é de 0,05 a 0,1 mg/kg/h.
Possíveis efeitos adversos: Sedação, discreta inapetência, depressão cardiovascular e respiratória.
Butorfanol
O butorfanol é um opioide agonista-antagonista, que tem certa segurança em gatos.. Diferente de outros opioides, sua eficácia não é dose-dependente em gatos, atingindo rapidamente efeito teto e a analgesia é de até 90 minutos após cessar a infusão. Sua ação analgésica é menor quando comparada à morfina e metadona, sendo mais utilizado em dores leves a moderadas.
Dose bolus: A dose bolus recomendada é de 0,2 a 0,4 mg/kg, IV.
Infusão contínua: A taxa indicada para analgesia é de 0,1 a 0,2 mg/kg/h.
Possíveis efeitos adversos: Mesmo que baixa a incidência, ainda pode ocorrer depressão do sistema cardiovascular e respiratório, principalmente em gatos debilitados. Também pode ocorrer sedação.
Taxas de infusões contínuas dos principais opioides administrados em gatos
Opioide | Bolus | Taxa de infusão | Indicações | Limitações | Analgesia residual |
Fentanil | 1 – 3 μg/kg | 5 – 10 μg/kg/h | Dor moderada a severa | Depressão cardiorrespiratória | 20 – 30 minutos |
Remifentanil | —- | 4 – 6 μg/kg/h | Dor moderada a severa Hepatopatas. | Depressão cardiorrespiratória | Despresível |
Morfina | 0,1 – 0,25 mg/kg | 0,05 – 0,1 mg/kg/h | Dor moderada a severa | Êmese; induz a liberação de histamina por via IV rápida. | 1 – 4 horas |
Metadona | 0,1 – 0,25 mg/kg | 0,05 – 0,1 mg/kg/h | Dor moderada a severa | Alterações cardiovasculares | 3 – 4 horas |
Butorfanol | 0,2 – 0,4 mg/kg | 0,1 – 0,2 mg/kg/h | Dor leve a moderada | Limita a utilização de opioides agonistas totais no pós-operatório | 1 – 4 horas |
Outros Medicamentos Utilizados em Infusão Contínua em Gatos
Dexmedetomidina
A infusão contínua de medetomidina e dexmedetomidina promove sedação e analgesia dose-dependentes, mas com relaxamento muscular que aumenta com a dose, podendo ser utilizados para analgesia espinhal e supra-espinhal. Apesar destes benefícios, a CRI provoca diminuição da frequência cardíaca, do débito cardíaco e fornecimento de oxigênio tecidual dose-dependente.
A administração de dexmedetomidina CRI tem a finalidade de gerar analgesia, mas não promover sedação intensa e também menos impactos no sistema cardiovasculare. Devido aos possíveis efeitos adversos, é recomendada com outros fármacos, como opioides e cetamina, e de preferência em animais jovens e ativos, no pós-operatório de cirurgias eletivas ou pouco invasivas.
Dose bolus: A dose bolus recomendada é de 0,5 a 1 μg/kg, IV.
Infusão contínua: A dose recomendada para gerar analgesia sem sedação é de 0,5 a 2,0 μg/kg/h, promovendo mínimos efeitos na frequência cardíaca e pressão arterial.
Possíveis efeitos adversos: Efeitos cardiovasculares como bradicardia, diminuição de débito cardíaco, hipertensão e sedação mais evidente em hipotérmicos.
Cetamina
A infusão contínua de cetamina bloqueia a atividade dos receptores sem causar qualquer efeito dissociativo, reduz o risco de sensibilização central e desenvolvimento de hiperalgesia de rebote. Ainda pode potencializar efeitos antinociceptivos dos agonistas alfa-2 adrenérgicos e opioides, podendo ser combinada com doses menores dos mesmos, para promover analgesia mais eficaz e com efeitos indesejáveis reduzidos. Não é indicada sua utilização isolada, mas sim como adjuvante na analgesia multimodal.
Dose bolus: A dose bolus recomendada é de 0,5 a 1 mg/kg, IV.
Infusão contínua: Para dores leves a moderadas é recomendada uma taxa de 0,3 a 1,2 mg/kg/h.
Possíveis efeitos adversos: estimulação do SNC e cardiovascular, depressão respiratória, aumento de pressão intracraniana e disforia (muito comum em felinos). Infusão de doses baixas tende a não resultar em efeitos indesejáveis.
Concluindo…
A infusão contínua em gatos é vantajosa, especialmente para melhorar o manejo analgésico do paciente e pode ser utilizada tanto durante procedimentos cirúrgicos quanto no pós-operatório e manejo de pacientes críticos. Porém, é necessário adequar a infusão de acordo com o estado clínico do paciente, nível de dor e objetivo da utilização da mesma, podendo utilizar fármacos isolados ou combinações entre opioides, agonistas alfa-2 adrenérgicos e cetamina, sempre atentando-se às doses específicas para a espécie e tempo de infusão para evitar os efeitos adversos.
Leia Também
- Analgesia por infusão contínua em cães – Opioides
- Analgesia por infusão contínua em cães – Agonistas alfa-2 adrenérgicos
- Analgesia por infusão contínua em cães – Lidocaína, Cetamina e Associações
Pra ler depois:
– Ambros B et al. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of a constant rate infusion of fentanyl (5 μg/kg/h) in awake cats. Am J Vet Res, 75:716-721, 2014.
– Ansah OB et al. Correlation between serum concentrations following continuous intravenous infusion of dexmedetomidine or medetomidine in cats and their sedative and analgesic effects. J Vet Pharmacol Ther, 23:1-8, 2000.
– Bromley N. Analgesic constant rate infusions in dogs and cats. In Practice, 34:512-516, 2012.
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– Court MH. Feline drug metabolism and disposition: pharmacokinetic evidence for species differences and molecular mechanisms. Vet Clin North Am Small Anim Pract, 43:5, 2013.
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