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Além da anestesia dissociativa: Cetamina como adjuvante analgésico

Escrito por: Bruna Sarri, André Rufino e Adriano Carregaro

A cetamina é um dos medicamentos mais utilizados na medicina veterinária, geralmente associada aos agonistas alfa2 adrenérgicos ou benzodiazepínicos promovendo, assim, anestesia dissociativa. Entretanto, atualmente ela vem recebendo destaque também como adjuvante analgésico, principalmente em protocolos de analgesia multimodal. Nesses casos, ela pode ser administrada no período pré-operatório, transoperatório ou em protocolos de analgesia pós-cirúrgica, podendo ser associada aos opioides, anti-inflamatórios não esteroides, lidocaína, dentre outros.

A atividade analgésica da cetamina está relacionada majoritariamente ao bloqueio não competitivo dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA). Esses receptores estão envolvidos na modulação e transmissão dos estímulos nociceptivos no corno dorsal da medula espinhal, pontos-chave na sensibilização do sistema nervoso central. Nesse contexto, a cetamina age impedindo o desenvolvimento e perpetuação da hiperexcitabilidade central, evitando consequentemente o surgimento de hiperalgesia e alodinia.


 Doses e vias da cetamina para cães e gatos

            Uma das principais vantagens da cetamina como analgésico é que ela pode ser administrada por diversas vias. Uma das primeiras vias exploradas nesse sentido foi a intramuscular. Foi verificado que a dose de 2,5 mg/kg reduziu a necessidade de resgates analgésicos em cadelas submetidas à ovariohisterectomia. Porém, o potencial analgésico por essa via é de curta duração; isso faz com que sejam necessárias várias administrações para procedimentos longos, aumentando seus efeitos indesejáveis.

Atualmente, a infusão intravenosa contínua é a principal forma de administração da cetamina como adjuvante analgésico, podendo ser útil em diversos tipos de procedimentos cirúrgicos, especialmente acompanhada por outros analgésicos ou por bloqueio locorregional.

Alguns estudos em cães também apontam que a infusão contínua de cetamina pode ser útil no tratamento da dor crônica, reduzindo a sensibilização central. Preconiza-se um bolus inicial de 0,5 – 1 mg/kg, seguido de 10 µg/kg/min. Outra via possível para promover analgesia em cães é a epidural. Doses entre 0,2 e 0,4 mg/kg promovem interessante efeito, mas muito fugaz, por no máximo 2 horas. Um outro ponto importante é que a administração de cetamina com conservantes por via epidural pode provocar neurite e lesão medular, por isso é fundamental utilizar formulações sem conservantes.

Há poucas informações sobre o uso da cetamina como analgésico em gatos. Porém, relatos de gatos submetidos a diferentes procedimentos cirúrgicos evidenciam que a cetamina pode ser utilizada como moduladora da dor neuropática e crônica, quando utilizados por curtos períodos de tempo, assim como nos cães. Foi demonstrado ainda que ela pode melhorar a analgesia pós-operatória quando utilizada como um agente analgésico adjuvante do protocolo de analgesia multimodal e minimizar o risco de sensibilização central, além de reduzir potencialmente o requerimento de opioides.


Doses e vias da cetamina para equinos

Em equinos a cetamina é administrada principalmente pelas vias epidural e intravenosa, por infusão contínua. Pela via epidural, doses entre 0,5 mg/kg e 2 mg/kg são capazes de produzir analgesia em região de períneo e parte superior de membros posteriores, mas por um período de no máximo 75 minutos, além de promover  sedação leve e ataxia, principalmente na dose mais alta. Conforme destacado anteriormente, devemos nos atentar à administração da solução sem conservantes. Em infusão contínua, podemos utilizar um bolus inicial de 0,6 a 1 mg/kg seguido de infusão contínua de 2 – 10 µg/kg/min. Alguns autores sugerem que a cetamina resulta em analgesia sem efeitos adversos comportamentais em infusões de até 13 µg/kg/min.


Os efeitos adversos são os mesmos que das doses anestésicas?

É seguro afirmar que efeitos adversos como rigidez muscular, alterações na motilidade gastrointestinal e retorno anestésico conturbado, típicos da administração da cetamina em doses anestésicas, dificilmente ocorrem nas doses subanestésicas.

A alteração mais vista em cães que recebem doses subanestésicas é o aumento de salivação, sem alteração no tempo de trânsito intestinal e no esvaziamento gástrico. Infusões contínuas elevadas (50 µg/kg/min) por longos períodos podem promover hiperatividade, respiração apnêustica, movimentação de cabeça e sedação. Em gatos, mesmo em baixas doses na infusão contínua também pode ocorrer sedação, especialmente pela dificuldade que essa espécie tem em metabolizar o fármaco.

Em equinos, o principal efeito indesejável é a ataxia, que geralmente está presente quando a cetamina é administrada pela via epidural ou em infusão intravenosa contínua por longos períodos. Bem menos frequente pode ser notado taquicardia, hipertensão (entre os 5 e 30 min iniciais) e hipomotilidade, além da diminuição da taxa de eliminação de fezes, efeitos indesejáveis que podem se agravar em casos de cólica.


Concluindo…

Diante do exposto, podemos afirmar que a adição de cetamina nos protocolos analgésicos pode trazer benefícios, como redução na quantidade de fármacos utilizados durante as cirurgias, redução de efeitos indesejáveis e analgesia, melhorando o conforto pós-operatório. Ainda assim, devemos considerar algumas desvantagens, como os efeitos indesejáveis e ação analgésica de curta duração, por isso é importante se atentar às doses recomendadas.

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