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Um Anestesista Veterinário Imortal

No dia 29 de Março de 2021 nasceu o Anestesista Veterinário Imortal.

Oitenta anos antes, no dia 6 de fevereiro de 1941, o Anestesista Veterinário Imortal soltou seu primeiro grito; uma mistura nada convencional, como não poderia deixar de ser. Nascido no Egito, com nacionalidade Italiana e naturalizado brasileiro. Certamente a energia de um país místico e o sangue quente, num país extremamente acolhedor, foram responsáveis por torná-lo Imortal.

O menino Flavio Massone chegou ao Brasil aos 11 anos, no dia 31 de julho de 1952, junto com o pai Gualtieiro, a mãe Olga e os irmãos Bruno e Gemma. Não poderia ter vindo para um lugar melhor, pois no Brasil poderia se juntar à grande colônia italiana aqui presente.

Os anos se passaram… o menino Flavio trabalhou no comércio de café, metalurgia… Mas por força do destino (mal ele sabia disso) se tornou Médico Veterinário. Formou-se na 30ª Turma da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, em 1967. Histórias hilariantes e dramáticas, como um bom ítalo-brasileiro (com pitadas de faraó) sabe descrever, podem ser lidas no seu livro “Reminiscências de um Professor – Uma vida dedicada ao Ensino”.



Passaram-se quase 29 anos desde o seu nascimento para que o médico veterinário Dr. Flavio Massone trombasse com seu destino. Ao final do ano de 1969 tornou-se Professor; a contragosto, desconfiado… mas foi… e como diz o ditado, acabou “fondo”. Foi responsável, junto com outros tantos baluartes da medicina veterinária, por construir o curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas da Unesp, em Botucatu.

Anestesia? Brincadeira naquela época né? Todos queriam ser “cirurgiões”. O negócio era operar, resolver. Diz a história que três professores tinham que escolher quais disciplinas queriam ministrar: “Técnica Cirúrgica, Patologia Cirúrgica ou Anestesiologia Veterinária. O docente mais graduado, e líder do grupo, disse que havia escolhido Patologia Cirúrgica; o outro colega escolheu Técnica Cirúrgica”. O “Velho Lobo” (um dos tantos apelidos que demos para o nosso Imortal), novato à época “escolheu”, dor dedução, Anestesiologia Veterinária… (sei…). Mas como sempre ouvimos, as coisas nessa vida não acontecem por acaso…

Porém, naquela época o nosso intrépido Professor já havia se antecipado aos fatos e ao futuro. Já era Mestre em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estudando a “Levomepromazina na anestesia com pentobarbital em cães”. O chão batido começava a receber os primeiros paralelepípedos…

Ali foi o divisor de águas para a Anestesiologia Veterinária Brasileira. Iniciou-se então uma luta sem fim, como é a luta de todo Imortal, para posicionar essa fascinante especialidade em seu devido lugar. Enfim, o ato anestésico passou de mero apêndice do procedimento cirúrgico para ser uma parte importante do processo. A dedicação ao paciente em si, muito mais do que o procedimento, era o foco principal do Professor. Coube ao Professor Flavio Massone a capacidade de abrir os olhos dos seus alunos. E foi… durante décadas… 70’, 80’, 90’… Incansavelmente colocando bloco por bloco, um do lado do outro, para pavimentar o caminho de quem estava vindo…

Enfim, em 1 de março de 1996 o “Véi Massone” (outro apelido carinhoso do nosso Imortal) decidiu parar. Aposentou-se… Mas “parar” não existe para Imortais! E ele continuava dando suas “pitadas” no Serviço de Anestesiologia Veterinária da Unesp Botucatu. A aposentadoria no Brasil, e principalmente nas Universidades Públicas é um processo sofrido… Professores com décadas de dedicação, de construção pedagógica e de pesquisa são banidos daquele ambiente que antes era considerado parte da casa. Vários motivos tornam esse processo muitas vezes traumático: leis de trabalho, vínculo, “gente que precisa sair para outros chegarem” etc e tal… coisas complexas que não foram fáceis de serem assimiladas e aceitas por um futuro Imortal. Então, o Professor Massone foi atrás de novos ares, já com imensa bagagem para compartilhar com alunos de outras Universidades (mas continuava “rodeando” o Hospital Veterinário da Unesp, sempre…).

Nessas suas idas ao Hospital da Unesp, para peruar, nos trombamos… Ali ele já era o Importante Professor Titular de Anestesiologia Veterinária da famosa Unesp de Botucatu. Confesso que no nosso primeiro contato tive medo de conversar com ele. Enérgico, falante e questionador. Vez ou outra falava que aquilo era assim e não assado. Moleque de tudo, com meus poucos anos de idade e recém-residente, “sabedor de tudo”, achava que o Véi tava ultrapassado. Ao logo da vida tenho aprendido que sabedoria vem com a experiência e tempo, sem dúvidas…

No início dos anos 2000 o Professor Massone dava sinais de cansaço… Alternava períodos de reclusão e aparecimento. Participava de bancas, disciplinas de graduação e pós-graduação. Mas certamente era Presença Vital nos Congressos e Encontros do Colégio Brasileiro de Anestesiologia Veterinária. Lá ia pra “fazer o social”, óbvio. Ia literalmente para estimular os mais novos a continuarem o já fácil caminho forjado por ele, fazer política e brigar, sempre, pelo espaço da Anestesiologia Veterinária no Brasil. Foi peça importante no processo de criação do Colégio Brasileiro de Anestesiologia Veterinária, oriundo do antigo CBCAV, em 2013. A presença dele era impagável! Recebia homenagens em todos os eventos e dizia, jurava, que era a sua última participação. Promessa difícil de ser cumprida.

Nesse tempo o aspirante a Imortal já havia feito muita coisa pela Anestesiologia Veterinária Brasileira… Ouso dizer que praticamente todos os anestesistas veterinários brasileiros devem sua formação ao Velho Lobo. Verifique sua árvore genealógica profissional e verás que ele esta lá; em algum lugar… Formou diversos Mestres, Doutores, publicou dezenas de artigos científicos. Escreveu o famoso livro “Anestesiologia Veterinária: Farmacologia e Técnicas“, em 1988, que virou leitura indispensável. Vieram outras edições, o “Atlas de Anestesiologia Veterinária” (2003), o já citado livro Reminiscências (2010). Mereceu até uma honrosa menção no livro que conta a História da Anestesia no Mundo “The Wondrous Story of Anesthesia” (A maravilhosa história da Anestesia – tradução livre). Mas vivemos novos tempos… digitais… ai sim nosso amigo ficou mais “Véi”… SÓ QUE NÃO!



O quase-Imortal camaleão Flavio Massone foi parar nas redes sociais! Segura!!! A essa altura, sem a hipocrisia dos filtros que a idade nos impõe, emitia opiniões, corrigia cada deslize de quem ousasse ferir a Nomina Anestesiologica, quebrava o pau com todo mundo e minutos depois, postava piadas, muitas delas na contramão da etiqueta atual. Segura o Homi! Nesse momento ele Remoçou! Virou Cult! De “Véi” passou a Tio! Ganhou o apelido de “Tio Massone” pelos mais jovens. Alunos meus frequentemente falavam: “nossa professor, como o tio Massone é um amor!” (ria por dentro… rsrsrs)

Cá chegamos em 2021… No início do ano recebi uma mensagem da Ana, sua filha, me perguntando se eu poderia fazer um vídeo curto para participar da homenagem que iriam fazer para comemorar os seus 80 anos. Tudo virtual, infelizmente imposto pelo momento… Certamente foi uma das mensagens mais emocionantes que eu recebi…

Um dos tantos momentos felizes ao lado do Nosso Imortal, Flavio Massone. Ao lado, nosso grande amigo Rodrigo Marúcio.

Levitei… lembrei-me de quando cheguei em Botucatu, em 1998, recém-residente, com o livro do Velho Lobo na mão. Queria apenas um autógrafo do “Véi”… Mais de vinte anos depois nos tornamos muito amigos, confidentes dos assuntos da anestesia veterinária. Meu Oráculo nos tempos em que eu presidi o CBAV… uma voz de direcionamento nas decisões que eu tinha que tomar… Parceiro também nas comemorações do nosso time do coração, nosso verdão carinhosamente chamado sempre de Palestra pelo faraó italiano, com coração brasileiro. Naquele dia pude retribuir por tudo que esse grande amigo fez em prol da Anestesiologia Veterinária Brasileira.

E assim, ele virou IMORTAL


Leia Também

Pra ler depois:
– Eger E et al. The Wondrous Story of Anesthesia. Springer, 1st ed. 2014, 944p.
– Massone F. Reminiscências de um Professor. Uma vida dedicada ao ensino. Flavio Massone, 2010, 165p.


Sugestões? Considerações? Pensamentos? Comente!

30 thoughts on “Um Anestesista Veterinário Imortal

  • Carlos Eduardo Ambrosio

    Muito emocionante o relato. Lindo! Quem viveu e trabalhou com o Massone, posso dizer, foi um aprendizado p carregar até a eternidade conosco!

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      • Maria Isabel Roth Poppin Rodrigues de Carvalho

        Adriano!
        Sei que o momento é de grande pesar para todos nós, veterinários “filhos, netos ou bisnetos” do Prof.Massone, mas quero te parabenizar pelo texto. Talvez vc não se lembre, mas prestamos o concurso juntos em Pira, do qual o Prof Massone foi banca, e vc foi justa e brilhantemente classificado em 1 lugar.
        Um grande abraço, continue seu legado defendendo a Anestesiologia Veterinária no e do Brasil!

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        • Olá Maria Isabel. Lembro sim, pode ter certeza. Agradeço suas palavras e muita gratidão por compartilhar seus sentimentos aqui. Grande abraço ; )

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      • Martina

        Não segui na anestesiologia porém trabalho com dor e até hj tiro dúvidas em um dos seus livros, fiquei triste com a partida dele e me emocionei com seu texto

        VC me ensinou respeitar esse incrível professor a mais de 10 anos atrás e imagino como ficou ao receber essa notícia

        Obrigada por esse texto lindo

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  • Cesar Freire

    Emocionante, Prof Carregaro.
    Ainda mais admiração.

    Abraços,
    Cesar

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  • Silvia

    Muito lindo.. o Véi/Tio, quando puder, dará boas gargalhadas deste seu relato…

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  • Adriano Chiavegato

    Lindo texto Adriano!!
    Como vc disse será Imortal!!!

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  • Sandra

    Linda homenagem, Adriano!!!!
    Parabéns pela sensibilidade!!!
    Fraterno abraço!

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  • Viviane Helena Chirinea

    Linda história desse grande Homem! Parabéns pelas palavras, todas muito verdadeiras. Um mestre que se tornou amigo! Bjo

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      • Pedro Isidro

        Que belo texto, Adriano!!! Parabéns!! Uma justa homenagem àquele a quem, como você mesmo bem disse, todos nós devemos um pouco do nosso conhecimento da área que ele tanto defendeu. Um forte abraço, amigo!!

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        • Meu grande amigo Pedro! Bom te encontrar aqui meu velho… Muitas saudades de você e família. Obrigado pelo relato. Abraços!

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  • José Ribamar da Silva Júnior

    Minhas condolências a família. O “velho Massa” que de velho não tinha nada, pois sempre esbanjava jovialidade e empolgação no ensino da Anestesiologia Veterinária, sempre estará presente na história da Medicina Veterinária. Das “combinações” anestésicas, termo que ele odiava, da latrina que se tornou o espaço peridural, outra tirada dele, ao se referir aos estudos com farmacos anestésicos na técnica de anestesia peridural, seus ensinamentos serão repassados por todos, que como eu, tiveram a chance de conviver com ele ou que aprenderam a gostar de Anestesiologia através dos seus livros! Fique com Deus Professor!!!

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    • : ) obrigado pelo relato Junior! Certamente há uma infinidade de passagens desse nosso amigo. Abraços.

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  • Sua palavras me deixaram muito orgulhosa e reconfortada obrigada por tanto carinho .Danilo ,Ana Carolina e Ana Luiza estão juntos nesse agradecimento .Muita paz em nossos corações.

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    • Olá Dona Marlene… muito feliz por seus comentários… esteja certa que há uma GRANDE família junto nesse processo… Esse “cara” deixou sua marca no coração de muita gente… muita mesmo… abraços fraternos a todos vocês ; )

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  • Vanessa

    Nossa que texto!!!! Amei ler, trouxe um quentinho no coração…

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  • 30 março 2021

    Bela homenagem !!! Fico feliz ao ler esse relato verossímil .
    Danilo Massone

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    • Olá Danilo. Muito obrigado pelo feed… Fiquei pensando na segunda de noite que eu não queria ver mensagens com as palavras “lamentavelmente”… “triste perda”… “perdemos”…. etc e tal. Tempo não passava…

      O Velho Massa é luz e é isso que importa pra nós! Um grande abraço ; )

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      • Danilo Massone

        Legal Adriano . O fim na verdade não acaba , ele recomeça , ou se recicla . Eu q acabei me enveredando na medicina ,e ,quando passei pela anestesiologia me senti em casa . Desde meus 14 anos ( bem na época do lançamento da 1ª edição do seu 1º livro ) ficava em plantões com ele , acompanhava procedimentos no centro cirúrgico da FMVZ , massacrava ele de
        Perguntas . É engraçado pensar , mas energia é um processo contagiante ( talvez ele até tenha embutido isso no meu DNA ) . Logo eu estarei em monitoria de anestesiologia ( para orgulho dele na faculdade onde virou doutor em farmacologia – FMRP- USP) e acompanhando com atenção , as varias técnicas disponíveis , e anestesiologia era inevitável no meu caminho . Como ele sempre disse : “Os frutos não caem longe da árvore “
        Ele teve uma vida plena em todos os campos , orgulho e admiração são as palavras mais sinceras que posso dizer , mas com total certeza , a palavra mais correta é a SORTE de ter ele como pai . Fica meu eterno sentimento de amizade , companheirismo e respeito a esse grande homem !

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        • Orgulho mesmo… Essas relações pai-filho são importantes e o “se doar” a troco de ver os que vem (filhos, alunos, pupilos etc) é impagável. Um grande abraço Danilo!

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  • Luiz Santos

    Queria muito poder traduzir esse seu texto em inglês e mostrar ao mundo quem era Flávio Massone. Muito bom o texto Adriano. Saudades de tão longe! Luiz

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