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Cuidados na Anestesia de Cães Diabéticos

Escrito por: Anna Eloísa Viana e Adriano Carregaro

A anestesia de cães diabéticos sempre gera dúvidas e discussão. A diabetes mellitus (DM) é uma endocrinopatia comum em animais de companhia, de caráter multifatorial, sistêmico e crônico. Em cães, ocorre devido à deficiência de insulina, resultando em hiperglicemia e diversos outros sinais clínicos que podem influenciar a anestesia. A deficiência de insulina pode ser decorrente de problemas relacionados a sua secreção, sua atuação ou ambos, causando distúrbios no metabolismo de carboidratos, gordura e proteínas. Ela acomete geralmente cães idosos (entre 7 e 9 anos) e apresenta maior incidência em raças de pequeno porte.

Há dois tipos de DM: Tipo 1, que se refere à destruição pancreática de células B; e tipo 2, na qual a secreção de insulina é defeituosa e, geralmente, ocorre resistência à insulina. Os animais acometidos geralmente apresentam poliúria, polidipsia, polifagia e emagrecimento, podendo também apresentar anorexia, letargia, vômitos, diarreia e catarata. Para confirmação do diagnóstico é preciso detectar hiperglicemia (> 250 mg/dL) associada à glicosúria. Dentre as complicações possíveis tem-se as agudas, como hipoglicemia, cetoacidose diabética e síndrome hiperosmolar não-cetoacidótica; nos casos crônicos observa-se retinopatia, nefropatia, insuficiência renal e neuropatias.

A avaliação pré-anestésica do paciente diabético deve-se ter especial atenção na busca de informações a respeito do tempo de duração da doença, quão bem-sucedido está sendo o tratamento, se há doenças concomitantes, qual é a dieta habitual do paciente e se o mesmo faz uso de medicamentos. Deve-se atentar para a hidratação, estado nutricional e sua condição cardiovascular e renal. Ademais, nos exames pré-operatórios deve-se incluir a mensuração da pressão arterial, eletrocardiograma, dosagem de ureia e creatinina, hemograma e urinálise. Outros exames podem ser solicitados conforme a necessidade.


Usar ou não insulina na pré-anestesia?

O controle da glicemia não deve ser negligenciado no período perianestésico. No dia anterior ao procedimento pode-se utilizar 75% da dose noturna de insulina, com o objetivo de reduzir a probabilidade do paciente apresentar hipoglicemia devido ao jejum pré-anestésico. Além disso, o jejum hídrico deve ser evitado, já que pode ocorrer poliúria e polidipsia compensatória até mesmo em animais com diabetes bem controlada.

No dia do procedimento, deve-se mensurar a glicemia para servir de ponto de referência durante a anestesia. Se a glicemia estiver abaixo de 100 mg/dL, não deve ser administrada insulina e sim iniciar a infusão de fluidos glicosados como por exemplo, a dextrose 2,5% a 5% ou de glicose 1 a 5%. Caso a glicemia esteja entre 100 e 250 mg/dL administra-se 1/4 da dose habitual de insulina e prioriza-se cristaloides glicosados (dextrose 2,5% a 5% ou de glicose 1 a 5%). Já se a glicemia estiver acima de 250 mg/dL, não deve ser fornecida fluidoterapia a base de glicose e deve ser administrada de 1/3 a 1/2 da dose habitual de insulina (Tabela 1).

Então, o objetivo é manter a glicemia entre 100 e 250 mg/dL, sendo esta a faixa considerada adequada para o período perianestésico. Mesmo que ela esteja acima de 100 mg/dL, é melhor um paciente com hiperglicemia discreta que hipoglicemia. Ainda, é importante destacar que a duração da insulina varia em função do organismo animal e também do tipo de insulina utilizada. As mais usadas são a insulina de ação intermediária (NPH, lente) e a insulina basal de ação lenta (PZI, insulina glargina, insulina detemir).


Preciso fazer insulina durante a anestesia?

Em cirurgias entre 30 minutos e 1 hora não há necessidade de mensuração da glicemia. Após isso, o ideal é avaliarmos a concentração de glicose a cada 1 hora, para mantermos as condições fisiológicas plenas durante o ato. Isso pode ser feito facilmente durante a anestesia, utilizando uma agulha e glicosímetros portáteis. Caso o animal permaneça internado, a glicemia deve ser mensurada pelo menos a cada 3 horas.


Há alguma restrição de medicamentos no protocolo anestésico?

Especificamente em relação à glicemia, não há nenhuma contraindicação de fármacos para diabéticos, já que os utilizados atualmente têm pequena interferência no metabolismo de carboidratos. Entretanto, essa escolha pode auxiliar na homeostase do animal no transoperatório ou ainda na sua recuperação no pós-operatório. Assim, deve-se priorizar fármacos que sejam rapidamente metabolizados ou cuja ação possa ser revertida, além de evitar fármacos que causem êmese e náusea; tudo isso a fim de que o cão diabético possa voltar a se alimentar e receber seu esquema de insulina normalmente o mais rápido possível após a anestesia.

Um grupo que possa gerar dúvidas são os agonistas alfa-2 adrenérgicos, pois eles inibem a liberação de insulina das células beta-pancreáticas de modo direto, promovendo um pico glicêmico nos pacientes. Porém isso não resulta em grave elevação da glicemia. Caso o paciente esteja hiperglicêmico, talvez o interessante seria evitar medicamentos desse grupo.



E no pós-operatório?

No período pós-operatório o paciente deve ser encorajado a comer e beber espontaneamente quando já estiver em estado de alerta, assim como deve ser fornecida dieta de fácil digestão em pequenas quantidades e alta frequência. Se ele estiver em hiperglicemia, pode-se administrar pequenas doses adicionais de insulina de modo a manter a concentração entre 150 a 250 mg/dL. Quando o paciente se alimentando como de costume, o tratamento habitual de alimentação e insulinoterapia pode ser retornado.

Como vimos, tomando os cuidados normais de um procedimento anestésico e a monitoração da glicemia no período perioperatório é possível que cães diabéticos sejam anestesiados sem maiores complicações, ou seja, que passem pelos procedimentos cirúrgicos necessários de modo relativamente seguro como qualquer animal saudável.


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