OPIOID FREE Anesthesia – SIM ou NÃO? – NAVE Tretas #4
O termo Opioid free anaesthesia, ou seja, anestesia sem o uso de opioides, tem sido há muito tempo discutido na anestesia humana e de certo ponto, começa a ser discutido também na medicina veterinária. Mas, na verdade, qual será o objetivo, as vantagens e desvantagens de usar ou não opioide no protocolo anestésico ou analgésico? Nesse vídeo nós vamos discutir os principais pontos associados a esse assunto.
Dependência química
O primeiro ponto, muito importante por sinal, é a dependência química. Isso, hoje, é considerado um problema de saúde pública no mundo. Isso porque desde a década de 1980 o uso de opioides, de modo ilítico, tem aumentado bastante. Há diversos relatos de médicos que infelizmente ficam dependentes de opioides, especialmente fentanil. Mas isso também tem sido observado com veterinários e também com pacientes humanos que recebem opioide no tratamento. Nesse caso, de dependência química, cabem duas abordagens.
A primeira delas é a dependência química dos pacientes. Geralmente os pacientes que passam por procedimentos dolorosos recebem opioides no tratamento, seja na anestesia ou no pós-operatório. E, obviamente, eles têm conhecimento disso. Eles percebem que o opioide dá sensação de alívio, tira a dor e a pessoa consegue dormir, comer etc… Isso, obviamente, fica na cabeça do sujeito… e aí a pessoa acha que aquilo vai resolver todos os problemas da vida dela. Infelizmente alguns pacientes vão procurar o opioide em algum momento de fraqueza… e a dependência começa.
O outro problema é a dependência dos próprios profissionais… essa, infelizmente, médicos e veterinários e é muito grave. Mas daí talvez pensarmos na ideia de que se fizermos protocolos opioide free podemos diminuir a dependência de profissionais, porque eles não teriam tanta facilidade de acesso… não sei… acho muito complicado isso, porque a pessoa pode conseguir os medicamentos de outra maneira, infelizmente.
Outro motivo desse argumento ser falho, ainda que eu entenda a ideia, é que atualmente tem aumentado muito (muito mesmo), o uso de cetamina como droga ilícita. Nesse caso, vamos evitar o uso de cetamina na anestesia? Vamos começar a fazer “ketamine-free anestesia”? Não acredito que iremos…
Hiperalgesia e Tolerância induzida por opioides
O uso de doses elevadas de opioides, principalmente por períodos prolongados e em estímulos de baixa intensidade, podem fazer com que o paciente necessite de doses cada vez maiores para um determinado efeito (tolerância) ou até mesmo desenvolva hiperalgesia. Há estudos que mostram, inclusive, que em apenas uma administração o opioide pode promover aumento no requerimento de anestésico inalatório e maior sensibilidade ao estímulo álgico.
Esse assunto é realmente interessante e precisa ser melhor estudado. Porém, esse entendimento ainda é “novo”, digamos assim, e precisa ser compreendido para verificarmos se só ocorre em situações experimentais, se ocorre com todos os animais e em quais situações.
Imunossupressão e Oncologia
Esse é outro ponto bem discutível. Algumas UTIs humanas não usam opioides em pacientes oncológicos porque há estudos que mostram que os opioides diminuem as células de defesa do corpo, anticorpos e tudo mais. Isso pode indicar um efeito imunossupressor dos opioides, o que poderia ser contraindicado em cirurgias oncológicas e em pacientes imunossuprimidos.
De fato, alguns estudos evidenciam que ratos que receberam opioides tiveram aumento do tumor ou mesmo metástases, quando comparados ao grupo controle. Por outro lado, em um estudo com ratos com tumor de cólon, a morfina foi capaz de reduzir a carga tumoral após tratamento seriado.
Na verdade, não há consenso sobre esse assunto. Há influência da espécie estudada, tipo de tumor estudado, qual opioide administrado, variáveis incontroláveis… enfim, até o momento me parece que é um tema muito mais especulativo que comprobatório…
Refluxo gastrointestinal e Redução da motilidade
É sabido que os opioides retardam o esvaziamento gástrico e promovem redução da motilidade intestinal o que, em tese, aumenta as chances de refluxo gastroesofágico, podendo levar à pneumonia ou esofagite e também distúrbios de motilidade intestinal, como cólica e constipação, especialmente em herbívoros. Contudo, em relação ao refluxo, o jejum pré-operatório reduz essa possibilidade. Quanto aos distúrbios de motilidade, esses podem ser reduzidos adequando-se os opioides e as doses à espécie e às necessidades do paciente. Além disso, temos que lembrar há vários outros fatores que também podem desencadear hipomotilidade nos animais, como jejum prolongado, estresse e a própria dor, por exemplo.
E ai?
Em resumo, eu sou adepto sim, de continuarmos usando opioides no protocolo anestésico. Mas hoje eu uso menos do que usava antes, especialmente em cirurgias pouco invasivas. Nesses procedimentos podemos usar outros medicamentos analgésicos que podem ser eficazes. Mas em procedimentos que envolvam dor moderada a severa eu uso. E não me preocupo muito com esses pontos que falamos nesse vídeo. Porém, é importante utilizarmos técnicas multimodais, com bloqueios locorregionais e infusões analgésicas, que já vem sendo bastante feitas de uns bons tempos pra cá. Isso tudo faz com que a gente utilize opioides de modo racional.
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Pra ler depois:
– Abreu et al. Hyperalgesia and increased sevoflurane minimum alveolar concentration induced by opioids in the rat. A randomised experimental study. Eur J Anaesthesiol., 32(4):232-241,2015.
– Editorial – Opioid crisis: addiction, overprescription, and insufficient primary prevention. The Lancet Regional Health, v.23, 100557, 2023.
– Harimaya et al. Potential ability of morphine to inhibit the adhesion, invasion and metastasis of metastatic colon 26-L5 carcinoma cells. Cancer Letters, 187:121-127,2002.
– Pomorska et al. Immunomodulatory effects of endogenous and synthetic peptides activating opioid receptors. Mini Rev Med Chem, 14:1148-1155,2014.
– SHADAC – The opioid endemic in the United States, 2024.
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