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Sem pânico: Anestesia em Cadelas com Piometra. E agora?

Escrito por: Luisa Yamamoto e Adriano Carregaro

O que é a piometra?

A piometra é uma doença comum em cadelas, principalmente não castradas, a partir dos 8 anos de idade e geralmente acontece associada a outra afecção uterina, chamada hiperplasia endometrial cística.

A piometra geralmente acontece durante o diestro, ao redor de dois meses após o cio, em que a concentração de progesterona é alta. A progesterona atua sobre o útero, estimulando o crescimento de glândulas uterinas, secreção de muco dentro deste órgão, redução da contração uterina, diminuição da resposta imune no local e o fechamento da cérvix. Isso faz com que ocorra acúmulo de fluídos dentro do útero, tornando-o um ambiente favorável para a colonização bacteriana (sobretudo por E. coli). As fêmeas com piometra têm o útero repleto de pus (Figura 1), podendo estar apáticas, com corrimento vulvar purulento presente ou ausente, dor abdominal, febre, entre outros sinais clínicos.


Figura 1: ilustração que mostra o útero normal da cadela à esquerda e um útero com piometra, aumentado e repleto de pus, à direita.

Tratamento e principais preocupações

Piometra normalmente é uma situação de urgência, pois a resposta imunológica é falha e a progesterona impede contrações uterinas para expulsão do conteúdo. Dessa forma, em pouco tempo a cadela pode entrar em um quadro de sepse (infecção generalizada), com comprometimento de diversos outros órgãos, elevando o risco de mortalidade. Então, quanto mais rápido a piometra for identificada e tratada, menores as chances de complicações e óbito.

O tratamento da piometra é preferencialmente cirúrgico, através da castração. Por ser um processo infeccioso grave, a piometra altera diversos parâmetros, o que torna o procedimento anestésico um pouco complicado. Entre as principais alterações, tem-se anemia, desidratação, diminuição da perfusão, alterações hepáticas e renais, deposição de imunocomplexos no glomérulo renal e ação de endotoxinas bacterianas nos túbulos renais. Além disso, pacientes com piometra costumam apresentar taquicardia, taquipneia, hipotensão e acidose metabólica. Para se aprofundar mais sobre a etiologia e principais consequências da piometra, consulte a seção “Pra ler depois”, ao final deste post.

Estabilização

Sempre que possível, deve-se corrigir a hidratação e a volemia antes do procedimento, a fim de estabilizar o paciente, evitar o choque e a hipotensão e aumentar a perfusão renal. A taxa de fluidoterapia pode ser mais conservadora (5 mL/kg/h) ou mesmo um pouco mais liberal (até 10 mL/kg/h), a depender do nível de desidratação e pressão coloidosmótica da paciente. Nesse link você vai entender melhor as diferentes formas de correção hídrica na paciente com piometra.

Outro ponto importante é corrigir o desequilíbrio ácido-base. Para isso, o ideal é realizar um exame de hemogasometria,  e avaliar o estado ácido-base da paciente, se atentando aos valores de pH, SaO2, PaCO2, HCO3, íons de sódio, potássio e cloreto, ânion gap e déficit de bases. Como geralmente essas pacientes estão em um quadro de acidose metabólica, é importante que a fluidoterapia de escolha reponha o HCO3consumido, ou seja, com um Ringer lactato, adicionando bicarbonato de sódio.


Anestesia

É interessante que a medicação pré-anestésica conte com fármacos analgésicos como os opioides, evitando os tranquilizantes fenotiazínicos (como a acepromazina), devido ao seu efeito hipotensor e de diminuição da contratilidade do miocárdio. Uma possibilidade de MPA também pode ser a dexmedetomidina, um fármaco amplamente utilizado na medicação pré-anestésica destas pacientes.

A indução pode ser feita com o etomidato ou mesmo propofol (com co-indutores) em pacientes estáveis e que tenham preferencialmente recebido correção da volemia no período pré-anestésico. Além disso, a indução pode também ser realizada com anestésicos inalatórios, via máscara, nos pacientes mais debilitados e com grau mais avançado de choque e/ou hipotensão. A cetamina também pode ser utilizada, associada a um miorrelaxante. No entanto, esta modalidade não viabiliza procedimentos mais invasivos e cruentos, como a OSH, indicando que anestésicos dissociativos não devem ser a base da manutenção, mas podem ser utilizados na forma de infusão para potencializar e auxiliar na anestesia geral.

Pelos mesmos motivos, a manutenção é preferencialmente feita com isoflurano ou sevoflurano. Todavia, assim como todas as demais modalidades anestésicas, a anestesia inalatória pode agravar o quadro de hipotensão e, por isso, a associação de analgésicos por infusão contínua, como os opioides, dexmedetomidina ou cetamina vai conferir analgesia e potencializar a anestesia, diminuindo o requerimento de anestésicos inalatórios e, assim, evitando a ocorrência de seus efeitos indesejados.

A manutenção também pode ser feita com anestesia total intravenosa (TIVA), utilizando infusão contínua de propofol. Porém, um estudo mostrou que a manutenção com o propofol em cadelas em sepse resultou em maior hipotensão do que a manutenção com isoflurano, indicando que talvez não seja a melhor modalidade para essas pacientes.

A monitoração durante e após o procedimento anestésico é muito importante, visto que a sepse tem grande potencial em sobrecarregar o sistema cardiovascular e diminuir sua capacidade de perfusão e oxigenação dos tecidos. Assim, é primordial que seja monitorada a pressão arterial, preferencialmente invasiva e o traçado eletrocardiográfico, além da capnografia e oximetria.

Complicações

Hipotensão é a principal complicação observada em casos de piometra e por isso o cuidado em monitorar a pressão arterial, se possível de modo invasivo. Para evitarmos hipotensão podemos adotar algumas manobras. O primeiro passo é sempre reajustar a taxa de anestésico (inalatório ou intravenoso) ao mínimo necessário. Caso a pressão arterial não seja normalizada, pode-se elevar a taxa da fluidoterapia transanestésica, por desafios hídricos ou aumentando a taxa de infusão. Porém, frequentemente há necessidade do uso de vasoativos, como a dopamina, efedrina ou mesmo norepinefrina, aumentando a resistência vascular periférica. O uso de solução hipertônica também é aplicada em alguns casos.

Concluindo

A piometra é uma situação complexa e urgente, visto que pode oferecer riscos significativos à vida das cadelas acometidas, mas uma abordagem pré-anestésica bem feita, um protocolo anestésico planejado adequadamente, aliado à uma monitoração atenta e completa permitem a realização da anestesia nestes casos com maior segurança.


Leia Também

Pra ler depois:

Hesser A. Medical Management of Pyometra. WSAVA Congress, 2019.
Lima et al. Comparison of preoperative fluid therapy protocols associated with inhalational or total intravenous anesthesia for anesthetic procedures in dogs with sepsis. Braz J Vet Med, 44:e001222, 2022.
Mastrocinque S, Fantoni DTA. Comparison of preoperative tramadol and morphine for the control of early postoperative pain in canine ovariohysterectomy. Vet Anaesth Analg, 30:220-228,2003.
Nagashima et al. Microcirculation assessment of dexmedetomidine constant rate infusion during anesthesia of dogs with sepsis from pyometra: a randomized clinical study. Vet Anaesthe Analg. 49:536-545,2022.
Smith FO. Canine pyometra. Theriogenol, 66:610-61,2006.
Stone et al. Renal dysfunction in dogs with pyometra. JAVMA, 193:457-464,1988.


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