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Anestesia Inalatória – Anestesia é o Básico #16

Olá tripulantes do NAVE, tudo bem? Nessa aula da webserie “Anestesia é o Básico” vamos conversar sobre “Anestesia Inalatória“.

Desde Thomas Green Morton, a anestesia inalatória vem sendo uma das principais técnicas anestésicas utilizadas, seja na medicina ou na veterinária. Ela tem uma característica única, que é a de ser administrada exclusivamente por via pulmonar e também de ser eliminadas basicamente pela mesma via.

Como vantagens, principalmente em relação à Anestesia Total Intravenosa a facilidade em quantificar e mudar a concentração de anestésico fornecido ao paciente, facilitando as mudanças de planos anestésicos, proporcionar recuperação rápida e praticamente não sofrer biotransformação.

Basicamente, durante mais de 100 anos a base da anestesia inalatória era realizada com o éter, clorofórmio e ciclopropano. Em 1956 surgiu o halotano, considerado, na prática, o primeiro anestésico inalatório não inflamável. Porém, ele tem elevada biotransformação, vários efeitos indesejáveis e ainda corroí o equipamento de anestesia. Isso fez com que o halotano perdesse espaço para o isoflurano e o sevoflurano. O desfluorano tem uso restrito na medicina veterinária, basicamente em pesquisas.

Para que possamos entender como a anestesia inalatória funciona, temos que entender um pouco sobre as características físico-químicas desses agentes.

CARACTERÍSTICAS FISICO-QUÍMICAS

Pressão de vapor

A pressão de vapor do anestésico é importante pois vai nos dizer qual deles é mais fácil de ser vaporizado. Quanto maior a pressão de vapor, mais fácil será vaporizar o anestésico. Por exemplo, o isoflurano é mais fácil de ser vaporizado (240mmHg) quando comparado ao sevoflurano (160mmHg). Temos que lembrar que a temperatura e a pressão barométrica podem influenciar a vaporização; quanto maior a temperatura ambiente, mais fácil vaporizar. O inverso ocorre com a pressão barométrica: Quanto menor, mais fácil vaporizar. Por isso que é importante termos vaporizadores calibrados, pois eles compensam essas variações.

Solubilidade

A solubilidade é importante para entendermos sobre o ponto de equilíbrio do anestésico em cada meio biológico. Aqui vamos destacar o coeficiente de partição sangue/gás (Cps/g). Ele é um valor que mostra qual é o equilíbrio entre as concentrações de anestésico entre o sangue e os alvéolos. No caso, quanto maior o Cps/g, mais demorado será para saturar o sangue e, com isso, mais lenta será a indução anestésica. O mesmo ocorre com o retorno anestésico. Assim, a indução com halotano é mais lenta que com isoflurano, que é mais lenta que com sevoflurano.

Concentração Alveolar Mínima

A CAM é a concentração mínima necessária para abolir a resposta motora frente a um estímulo doloroso supramáximo em 50% dos indivíduos. Ela é determinada por estudos, em que os pacientes não recebem nenhum medicamento.

Cada espécie tem um valor de CAM, para cada agente. Apenas como exemplo, a CAM do iso para cães é de 1,3V%; já o sevo, 2,3V%. Esse valor nos mostra que precisamos de mais sevoflurano, comparativamente ao isoflurano, para manter o animal em anestesia. Porém, nós não queremos anestesia apenas 50% dos pacientes. Então, em teoria precisamos de 1,3CAM para manter os animais anestesiados.

Esse valor obviamente é teórico pois não anestesiamos os animais apenas com o agente inalatório. Assim, o fornecimento necessário de anestésico durante a anestesia terá vários fatores envolvidos, basicamente relacionados à associação de medicamentos e a fisiologia do paciente.


Efeitos Fisiológicos

Mecanismo de ação

Até o momento não se tem certeza do mecanismo de ação deles. Sabe-se apenas que eles promovem depressão generalizada do cérebro, estimulando neurônios inibitórios, como os Gaba, e inibindo os excitatórios, como os glutamatérgicos, NMDA, AMPA e serotoninérgicos.

Sistema cardiovascular

A depressão cardiovascular promovida pelos anestésicos inalatórios é dose-dependente e, comparativamente, é maior que a obtida na TIVA. Verifica-se queda de pressão arterial, volume sistólico e débito-cardíaco. O efeito com o halotano é mais pronunciado que com o isoflurano. O sevoflurano é o melhor dos três nesse aspecto.

Sistema respiratório

Basicamente todos os anestésicos inalatórios promovem depressão respiratória, dose-dependente. No caso, o isoflurano deprime menos que o sevoflurano, que deprime menos que o desfluorano.


Toxicidade

Hepática

O halotano tem, em média, 25% de biotransformação, que gera o ácido trifluoroacético, que é hepatotóxico. O halotano ainda promove diminuição do fluxo sanguíneo hepático e hepatite imunomediada. Esses efeitos indesejáveis são raramente vistos quando utilizamos isoflurano, sevovoflurano ou desfluorano. A taxa de biotransformação do isoflurano é de 0,2%, do sevoflurano 5% e do desfluorano 0,02%. Apesar da maior taxa do sevoflurano, ele gera fluoretos inorgânicos, inertes para o organismo.

Hipertermia maligna

A hipertermia maligna é uma síndrome farmacogenética, causada por anestésicos inalatórios e bloqueadores neuromusculares. Há alguns grupos de animais que podem, geneticamente, desenvolver hipertermia maligna durante a anestesia inalatória. Os principais sinais clínicos são hipertermia, taquicardia, sudorese e rigidez muscular. Há diversos relatos com o uso de halotano (mais um ponto negativo para ele) mas bem raros com o iso e sevo. Quando ocorre, a taxa de óbito é bem elevada mas pode ser tratada, com resfriamento do paciente e uso de dantrolene, desde que rapidamente.


Poluição Ambiental

A poluição ambiental é uma grande desvantagem da anestesia inalatória, que promove não só a poluição do ambiente cirúrgico como da atmosfera.

Ambiente cirúrgico

Até a década de 1970 praticamente não havia sistemas de remoção de anestésicos inalatórios nos ambientes cirúrgicos. Atualmente é mandatório e pode ser realizado com sistemas simples de remoção, como os passivos, feitos como uma simples mangueira, conectando a válvula de escape a uma saída externa.

Porém, ainda há outras possibilidades de escape anestésico que não pela válvula de escape, como a indução por máscara, vazamento da sonda endotraqueal, vazamentos no sistema anestésico, perda no ato de preenchimento do vaporizador e, principalmente, no retorno da anestesia; mais ainda se pensarmos em grandes animais.

A contaminação da sala cirúrgica pode gerar problemas na equipe cirúrgica, como déficit cognitivo, motor, náuseas, cefaleia, irritação dentre outros. Ainda que alguns estudos verifiquem maior taxa de aborto em mulheres que trabalham em ambiente cirúrgico, não foram verificados nem atividade teratogênica, nem mutagênica.

Atmosfera

O halotano contém bromo e cloro na sua molécula, e o isofluorano (contém cloro) agridem a camada de ozônio. Já o sevo e desfluorano não promovem esse efeito. Em relação ao efeito estufa, todos os anestésicos contribuem nesse aspecto. Estudos teóricos mostram que meia-vida do sevoflurano na atmosfera é de 1,5 anos, do isoflurano por volta de 3,5 anos e do desflurano, mais de 10 anos.

Ainda que o isoflurano e o sevoflurano exerçam alguma ação no aquecimento global, isso não é motivo de banimento no seu uso. O ideal é o uso racional dos anestésicos inalatórios, utilizando baixos fluxos de gases frescos, equipamentos de qualidade e, sempre utilizarmos protocolos balanceados ou mesmo variação de técnicas, para diminuir esse possível impacto.


Leia Também


Pra ler depois:
Burm AGL. Ocupational hazards of inhalational anaesthetics. Best Pract Res Clin Anaesth. 17:147-161, 2003.
– Carregaro AB, Luna SPL. Farmacologia dos anestésicos inalatórios. In: Barros CM; Di Stasi LC. Farmacologia Veterinária. 1ed.Manole, 2012, 43-52.
Langbein et al. Volatile anaesthetics and the atmosphere: atmosphere lifetimes and atmospheric effects of halothane, enflurane, isoflurane, desflurane and sevoflurane. Brit J Anaesth. 82:66-73, 1999.
Lopez et al. Comparison of recovery from anesthesia with isoflurane, sevoflurane, or desflurane in healthy dogs. Am J Vet Res. 70:1339-1344.
Ryan SM, Nielsen CJ. Global warming potential of inhaled anesthetics: Application to clinical use. Anesth Analg. 111:92-98, 2010.
– Soares JHN. Anestesia Inalatória. In: Luna SPL, Carregaro, AB. Anestesia e Analgesia de Equideos, Ruminantes e Suínos. 481-509, 2019.
– Steffey et al. Inhalation Anesthetics. In: Grimm et al. Lumb & Jones’ Veterinary Anesthesia. 5th ed. 297-331, 2015.


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