Dá para reconhecer dor em ruminantes?
Escrito por: Gustavo Moura, André Rufino e Adriano Carregaro
As escalas de dor são essenciais para reconhecer uma ou mais características que evidenciem a presença de dor nos animais, o que na medicina veterinária é um desafio, já que a comunicação homem-animal é um fator limitante, passando muitas vezes despercebida. Assim, é de suma importância utilizar escalas confiáveis para facilitar um diagnóstico rápido e prático, correlacionando a espécie em questão com o tipo de dor avaliada.
Dor em ruminantes sempre foi um ponto negligenciado, tanto pelos responsáveis pelos animais quanto pelos veterinários, seja ela digna de diagnóstico clínico ou não. Isso ocorre porque estes animais não expressam dor de forma tão visível para o homem como os cães, gatos ou cavalos, por exemplo.
Além disso, muitas vezes são tratados como produtos, sendo mais fácil e rentável substituí-los do que tratá-los. Porém, há alguns anos isso tem mudado e escalas específicas para ruminantes vem sendo desenvolvidas, majoritariamente visuais, visando criar meios que garantam o bem estar aos animais e auxilie na metodologia empregada na rotina clínica e diagnóstica, baseando o reconhecimento da dor. Pensando nisso, reunimos neste Post cinco escalas que facilitam o reconhecimento e avaliação do grau de dor em ruminantes, para diferentes situações clínicas.
Escala de dor aguda em bovinos (Unesp-Botucatu)
A escala unidimensional de dor aguda em bovinos, desenvolvida pela UNESP-Botucatu, auxilia no diagnóstico de dor, principalmente pós-operatória. Esta escala, que possui grau de confiabilidade elevado, leva em consideração a atividade do animal, ingestão de alimento, locomoção, interação com o ambiente e outros comportamentos relacionados à dor (Quadro 1). Todas essas características podem ser facilmente observadas por um observador treinado, facilitando assim o reconhecimento da dor nos bovinos (Figura 1).
Escala de dor para gado leiteiro
A escala desenvolvida pela Universidade de Copenhagen foi criada para avaliação de dor em gado leiteiro. Essa escala é mais rápida para ser aplicada, quando comparada a escala anterior (de Botucatu) por conta do menor leque de opções de características a serem visualizadas. Pode ser aplicada para identificar dor aguda em diversas doenças, como mastite tóxica aguda, fraturas, artrite séptica e peritonite. Ela faz referência a características facilmente observáveis como posição da cabeça, posição de orelhas, expressões faciais, resposta à aproximação, posição da coluna, claudicação e a atenção em direção a barulhos (Figura 2).
Escore de Claudicação
Esse é um guia que avalia a marcha e a postura dos animais, estabelecendo a capacidade das vacas de andar normalmente, podendo variar em uma pontuação entre 1 (indicativo de animal normal, sem claudicação) e 5 (maior grau de claudicação) (Tabela 1). É uma escala de fácil acesso e pode ser aplicada rotineiramente em propriedades, não só por veterinários mas também pela equipe de manejo.
A pontuação de locomoção é relativamente mais eficiente para determinar a extensão da claudicação e definir se a lesão justifica tentativas de tratamento. Assim, além de auxiliar na percepção de dor e desconforto do animal, contribui para auxiliar no diagnóstico de claudicação que possa ser a resposta para alterações comportamentais, alterações alimentares e alteração na produção de leite em vacas leiteiras.
Avaliação da dor após descorna
A descorna é uma prática comum na rotina prática em bezerros, sendo realizada por cauterização por calor. Essa prática tem por objetivo minimizar o risco de lesões aos tratadores e a outros animais. Esse processo certamente causa dor aguda durante e depois da descorna como, por exemplo, sacudir de cauda, vocalização, empinar e comportamento de fuga. Saber reconhecer esses comportamentos ajuda a perceber o grau de sofrimento do animal e se necessário encaminhar para um tratamento específico, caso a prevenção não tenha sido efetiva.
Além das características visuais de dor aguda descritas, a combinação de temperatura do olho e a variabilidade da frequência cardíaca podem ser medidas úteis e não invasivas para avaliar a dor. Foi destacado que a temperatura do olho é reduzida em resposta à dor aguda, aliado ao aumento do balanço de cabeça e frequência cardíaca elevada, acima de 70 bpm para animais de 3 a 7 semanas de idade, sendo que animais adultos não entram nessa classificação de dor. Portanto, mesmo que menos acessível do que as outras escalas mencionadas, o benefício de mensurar vários parâmetros ao longo do período pós-descorna é um meio viável para avaliar as consequências dolorosas do procedimento.
Escala facial para reconhecimento da dor em ovelhas
Essa escala vem sendo referência como um indicador de angústia e dor pós-operatória em ovelhas e é baseada em características que podem ser visualizadas apenas com observação da face dos animais. Assim, a ausência de dor é caracterizada por animais com orelhas e cabeça endireitadas, olhos bem abertos e boca fechada (0). Olhos semi serrilhados é indicativo de dor moderada (1) e olhos completamente fechados atribuindo-se dor intensa (2) . Com relação a posição da orelha e da cabeça, orelhas achatadas e cabeça inclinada indicam dor moderada (1) e orelhas e cabeça “caídas” indicam dor intensa (2). Já o reflexo de flehmen é um sinal de dor intensa (3) (Figura 3).
O IVAPM (International Veterinary Academy of Pain Management), a fim de auxiliar no diagnóstico e tratamento da dor em bovinos, disponibilizou uma escala de dor que leva em consideração aspectos comportamentais e de interação com o observador (Tabela 2).
Em resumo, apesar de existirem diferentes maneiras para monitorar e reconhecer dor nos ruminantes, como as citadas nesse post, a avaliação da dor nestes animais infelizmente ainda não é bem explorada e reconhecida pelos médicos veterinários e equipe de manejo. Porém, cabe lembrar que o animal estar livre de dor é considerada uma das Cinco Liberdades de Bem-Estar Animal, e qualquer ambiente que não proporcione isso estará negligenciando a necessidade básica deles.
Essa negligência provavelmente ocorre, devido ao papel social que animais de produção, como ovelhas e vacas, detém dentro da sociedade, sendo diferente daquele desempenhado por animais de companhia, como cães e gatos. Ou seja, por serem animais de trabalho ou destinados ao consumo e não serem considerados parte do núcleo familiar, não recebem tanta atenção e preocupação quanto a seu bem-estar. Acreditamos que isso pode e deve mudar, seguindo as orientações certas, melhorando a qualidade de vida dos animais.
Pra ler depois:
– Gleerup KB et al. Avaliação da dor em gado leiteiro. Applied Animal Behavior Science 171, 25-32, 2015.
– Häger C et al. The Sheep Grimace Scale as an indicator of post-operative distress and pain in laboratory sheep. PLoS One. 12 (4): e0175839, 2017.
– Heinrich A et al. The effect of meloxicam on behavior and pain sensitivity of dairy calves following cautery dehorning with a local anesthetic. J. Dairy Sci. 93 :2450–2457, 2010.
– Juarez ST et al. Impact of lameness on behavior and productivity of lactating Holstein cows. Appl Ani Behav Sci, 83, 1-14, 2003.
– Luna SPL et al. Fisiopatologia e Avaliação Clínica e Experimental da Dor Aguda e Crônica em Ruminantes. In: Luna SPL; Carregaro AB. Anestesia e Analgesia em Equídeos, Ruminantes e Suínos. 1a ed. MedVet Livros, 75-91, 2019.
– Oliveira FA et al. Validation of the UNESP-Botucatu unidimensional composite pain scale for assessing postoperative pain in cattle. BMC Vet Res, 10:200, 2014.
– Sprecher DJ et al. A lameness scoring system that uses posture and gait to predict dairy cattle reproductive performance. Theriogenology, 47:1179-1187, 1997.
– Stewart M et al. Effects of local anesthetic and a nonsteroidal antiinflammatory drug on pain responses of dairy calves to hot-iron dehorning. J. Dairy Sci. 92 :1512–1519, 2008.
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