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O que sabemos da amantadina na dor crônica em animais?

Escrito por: Amanda PachecoYuri Caetano e Adriano Carregaro

A amantadina é um fármaco que inicialmente se difundiu na medicina humana como antiviral e também como adjuvante para o tratamento da doença de Parkinson, a fim de diminuir os movimentos involuntários. O mecanismo de ação relativo à essa doença não é inteiramente elucidado, porém, acredita-se que a amantadina libere reservas neuronais de dopamina, neurotransmissor cuja deficiência está correlacionada à etiologia do parkinsonismo. Além disso, sabe-se que este fármaco possui ação antagonista não competitiva nos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA).

Até o momento (e esse post foi feito em 2021) ainda não sabemos muitas coisas sobre a relação entre a amantadina e analgesia. O que temos de informações, norteia o uso da amantadina como adjuvante no tratamento analgésico em pacientes oncológicos e com dores crônicas.

Como ela atua na dor crônica?

A dor crônica está associada à mudanças moleculares no sistema nervoso central que, devido à sua neuroplasticidade, detém uma capacidade de resposta moldável e variável de acordo com os estímulos que sofre, podendo fazer com que estímulos periféricos tenham ação na sensibilização central.

A agressão tecidual persistente, como a que ocorre em casos de osteoartrite por exemplo, gera um efeito de despolarização pós-sináptica cumulativa, isto é, gera impulsos repetidos nas fibras nociceptivas Aδ e C, promovendo aumento na liberação de glutamato e consequente ativação dos receptores NMDA, localizados na medula espinhal. O estímulo contínuo promove um mecanismo de wind up e não só as fibras Aδ e C, mas também as fibras Aβ são estimuladas, devido à persistência da dor. Este mecanismo então gera a amplificação de sinais não nocivos, fazendo com que o estímulo não doloroso passe a ser doloroso, gerando alodinia. Portanto, o mecanismo de ação da amantadina como antagonista dos receptores NMDA pode embasar seu uso na dor crônica.

Para saber mais sobre os mecanismos da dor, acesse a videoaula sobre a fisiopatologia da dor disponível em nosso site!


Amantadina como adjuvante analgésico em cães

Ainda há poucas evidências de que a amantadina contribua efetivamente na analgesia da dor crônica em cães. Um interessante estudo avaliou o efeito adjuvante deste fármaco no tratamento da dor crônica em animais com osteoartrite, os quais estavam sendo tratados com anti-inflamatório não esteroide, mais precisamente meloxicam. A administração de meloxicam ocorreu por 21 dias, promovendo discreta melhora na dor em todos os pacientes. Após este período, foi introduzida a amantadina no tratamento de 55% dos pacientes (17 de 31), com posologia de 3 a 5 mg/kg, por mais 21 dias.

O estudo mostrou melhora significativa dos pacientes que receberam amantadina, provavelmente devido ao efeito adjuvante do fármaco no alívio da dor. Nesses animais, foi observado aumento da capacidade de mobilidade, retorno às atividades físicas que haviam sido comprometidas pela osteoartrite (como subir escadas e subir na cama), além de redução da claudicação, da dor gerada pelo suporte de peso e também redução da resposta dolorosa à palpação. 

Os autores sugeriram também que a amantadina possa ser útil não apenas no tratamento da dor crônica ortopédica, mas também no tratamento de dores crônicas advindas de outras fontes, devido ao mecanismo de redução da sensibilização do sistema nervoso central. Contudo, esse assunto ainda é meramente especulativo e há necessidade de estudos que melhor justifiquem e comprovem esta hipótese.


Amantadina em Animais Selvagens

O efeito analgésico da amantadina foi relatado em um panda-gigante (Ailuropoda melanoleuca) com  29 anos, 80 quilos, portador de osteoartrite. O manejo analgésico inicial foi realizado apenas com carprofeno porém, o mesmo não foi suficiente para manejar a dor do animal. Percebeu-se nitidamente queda na ingestão de alimento e o animal permanecia em decúbito lateral para se alimentar devido à dor.

Diversos fármacos, como a gabapentina e antidepressivos tricíclicos, poderiam ter sido utilizados, mas foram desconsiderados devido aos efeitos sedativo e de letargia. Então, a amantadina foi escolhida como adjuvante no manejo analgésico. Após 18 dias do início do tratamento, tempo necessário para titular a dose, foi verificada melhora no apetite e o animal foi classificado como clinicamente normal, sem sinais aparentes de dor.

Um outro relato de caso recente descreveu o tratamento analgésico multimodal em um rinoceronte branco (Ceratotherium simum) de 38 anos, portador de osteoartrite crônica e dor neuropática nos membros torácicos. Diversos protocolos foram elaborados para o caso, incluindo uso de fenilbutazona, carprofeno e gabapentina em diferentes momentos, porém nenhum protocolo gerou analgesia desejada. 

A adição da amantadina ao protocolo com fenilbutazona, gabapentina e glicosaminoglicano promoveu melhora significativa no grau de claudicação, mobilidade e apetite. Porém, o tratamento foi interrompido após 2,5 meses, pois o animal desenvolveu claudicação profunda, relutância em se mover e anorexia. Infelizmente o animal foi submetido à eutanásia e à necropsia identificaram severas erosões nas articulações e lesão renal, provavelmente agravadas pelo uso prolongado do AINE. Apesar do infeliz fim para o animal, a introdução da amantadina sugere, mas não comprova, um interessante efeito deste medicamento na analgesia multimodal nesse caso.


Amantadina isolada para dor crônica?

Na veterinária, a amantadina ainda não havia sido testada de modo isolado. Até que, em 2020, foi publicado um estudo abrangendo o uso da amantadina isoladamente para melhorar a mobilidade e qualidade de vida de gatos portadores de osteoartrite.

Os gatos receberam 5 mg/kg de amantadina, a cada 24h, durante três semanas e o impacto do tratamento foi avaliado pelos tutores. Não foi notada diferença estatística entre os animais tratados com amantadina ou placebo porém, os tutores dos gatos que receberam amantadina perceberam alguma melhora ao longo do tratamento, ou seja, comparando com a semana anterior. Contudo, eles também observaram diminuição da atividade geral dos animais, com menor movimentação dos mesmos pela casa. Nesse caso, os autores consideraram que a letargia pode ser um efeito adverso da amantadina nesta espécie. Esse efeito também foi reportado no tratamento de depressão em humanos, porém esta foi a primeira vez em que  foi evidenciada sedação nessa  espécie animal, após a administração do fármaco, tornando questionável seu uso como analgésico para gatos.


Mas e então, a amantadina funciona?

Os estudos disponíveis demonstram que a amantadina promove melhora analgésica quando utilizada como adjuvante analgésico em terapias tradicionais. Essas evidências são baseadas no mecanismo de ação da amantadina, o que respalda o uso na dor crônica, É importante lembrarmos que esse fármaco não tem efeito imediato e a dose deve ser titulada, para que o animal tenha melhora analgésica, sem efeitos indesejáveis. Porém, ainda são poucos os estudos que comprovem essa eficácia.

Aproveite e veja a playlist completa sobre Dor e Analgesia!


Leia Também

Pra ler depois:

– Bernardino O et al. Amantadine protects dopamine neurons by a dual action: Reducing activation of microglia and inducing expression of GNDF in astroglia, Neuropharmacol,  61:574-582, 2011.
– Fernando N et al. Management of osteoarthritis in a giant panda (Ailuropoda melanoleuca) with multimodal therapy including amantadine sulphate. J Zoo Wild Med, 47:325-328, 2016.
– Gardner BR, Rourke NL. Multimodal analgesia in a Southern White Rhinoceros (Ceratotherium simum) with pentosan polysulfate, gabapentin, amantadine and phenylbutazone to manage chronic pain. Aust Vet J, 99:86–88, 2121.
Lascelles BDX et al. Amantadine in a multimodal analgesic regimen for alleviation of refractory osteoarthritis pain in dogs. J Vet Int Med, 22:53-59, 2008.
Norkus C et al. Pharmacokinetics of oral amantadine in greyhound dogs. J Vet Pharmacol Therap, 38:305–308, 2014.
– Rocha APC et al. Dor: aspectos atuais da sensibilização periférica e central. Rev Bras Anestesiol, 57:94-105, 2007.
– Shipley H et al. Owner evaluation of quality of life and mobility in osteoarthritic cats treated with amantadine or placebo. J Fel Med Surg, 1-7, 2020.
– Smith RG. An argument for the use of amantadine to treat complex regional pain syndrome. J Cur Med Res Op, 3:692−701, 2020.


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