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Analgesia por infusão contínua em cães – Opioides

Escrito por: Carolina Ferruccio, Elidiane Rusch e Adriano Carregaro

A infusão contínua de analgésicos durante a anestesia permite que a concentração plasmática de um dado medicamento se mantenha constante, promovendo adequada analgesia e, geralmente, redução do requerimento de anestésicos gerais em no mínimo 50%, a depender das doses e fármacos utilizados. As formas de administração são feitas por via intravenosa ou por meio de dispositivos de liberação prolongada que podem ser inseridos via subcutânea.

A via intravenosa pode ser utilizada para administrações em bolus intermitentes (os famosos repiques) ou infusão contínua. Para o bolus intermitente, geralmente uma dose inicial (de ataque ou dose-mãe) é administrada, seguida por administrações repetidas, de acordo com a característica de cada fármaco. Após cada administração, a concentração plasmática do fármaco atinge um pico e em seguida começa a diminuir em virtude da distribuição e liberação no organismo. Quando a concentração plasmática do fármaco é reduzida, uma nova dose é necessária para que o efeito seja restabelecido. Nesses casos, a concentração plasmática tende a oscilar entre picos de excessos e quantidades ineficazes e podem, em alguns casos, promover recuperação prolongada e com qualidade comprometida.

Indicação teórica de concentração plasmática de um medicamento hipotético X administrado por bolus, bolus intermitente e por infusão contínua.

No caso da infusão contínua, os picos e depressões ocasionados pelos “repiques” são suprimidos, há melhor qualidade no efeito, bem como diminuição da dose total administrada. Para tanto, são utilizados sistemas gravitacionais ou bombas de infusão de equipo ou seringa. Diferentes classes de medicamentos podem ser utilizadas e os mais utilizados são os opioides, agonistas alfa-2 adrenérgicos, cetamina e lidocaína, os quais podem ser utilizados isoladamente ou em associação.

O NAVE fará uma sequência de três posts (e mais um especialmente para gatos), abordando as principais infusões contínuas para promover analgesia transoperatória em cães. Nesse post vamos destacar os principais opioides utilizados. Na sequência serão abordados os agonistas alfa2 adrenérgicos, lidocaína, cetamina e possíveis combinações.


Principais Opioides Administrados por Infusão Contínua em Cães

Morfina

A morfina é o protótipo dos analgésicos opioides. É amplamente utilizada devido sua segurança, eficácia, tolerabilidade e custo-benefício. Trata-se de um agonista opioide total com efeitos analgésicos dose-dependentes. Dependendo do tempo total de infusão, há efeito cumulativo, o que pode ser uma vantagem, pois promove efeito residual, mas também devem ser considerados a metabolização e possíveis efeitos indesejáveis.Dose bolus: O intervalo de dose bolus recomendado é de 0,2 a 0,5 mg/kg e deve ser administrado de forma intravenosa lenta (de 5 a 15 minutos), devido a liberação de histamina quando administrado de forma intravenosa rápida. 

Infusão contínua: Como a meia-vida da morfina é de aproximadamente 1 hora, para manutenção dos efeitos analgésicos a infusão contínua é recomendada em uma taxa de infusão de 0,1 – 1 mg/kg/h, após o bolus inicial.

Possíveis efeitos adversos: náuseas, vômitos, defecação imediatamente após a administração, constipação a longo prazo, sedação, taquipneis, hipotermia, bradicardia, redução da produção de urina.

Evitar: em pacientes com traumatismo cranioencefálico ou aumento de pressão intracraniana devido ao risco de vômitos no pós-anestésico. Evitar também em pacientes com mastocitoma, pelo risco de liberação de histamina.

Metadona

A metadona é um opioide sintético, agonista opioide μ com potência cerca de 1,75 a 2 vezes maior do que a morfina em cães. Também apresenta efeito antagonista sobre os receptores N-metil-d-aspartato (NMDA), sendo mais eficaz para tratamento da dor crônica refratária, com menor possibilidade de tolerância e dependência.

Dose bolus: Pode ser administrada em bolus de 0,25 a 0,5 mg/kg, por pelo menos 1 minuto.

Infusão contínua: Pode ser administrada na dose de 0,05 a 0,2 mg/kg/h, após bolus inicial.

Possíveis efeitos adversos:  Bradicardia, bloqueios atrioventriculares e/ou contrações ventriculares prematuras, redução do débito cardíaco, pressão arterial e depressão respiratória de forma dose-dependente.   

Fentanil

O fentanil é um opioide agonista total, cerca de 250 vezes mais potente que a morfina, o que impacta, obviamente na dose administrada. O fentanil apresenta curto período de latência e também curto período de ação, de cerca de 25 minutos. É amplamente utilizado na rotina de pequenos animais na MPA, indução anestésica e manutenção na forma de infusão contínua intravenosa.

Dose bolus: Bolus de 5 a 10 μg/kg, de forma lenta, entre 2 e 5 minutos.

Infusão contínua: Pode ser feita entre 2 a 10 μg/kg/h, ajustada sempre de acordo com o plano anestésico e respostas frente ao estímulo cirúrgico.

Possíveis Efeitos adversos: Pode promover importante depressão respiratória, sendo fundamental o controle da ventilação; bradicardia quando administrado rapidamente por via IV, sendo recomendado sua diluição e aplicação lenta.

Sufentanil

O sufentanil é um opioide de ação curta que é bastante utilizado atualmente na analgesia peridural no pós-operatório para o tratamento da dor intensa. Esse opioide, com grande potencial analgésico, pode também ser administrado em cães por infusão contínua em cirurgias com alto nível de dor, como mastectomia, cirurgias reconstrutivas e ortopédicas. Atentar-se para iniciar o bolus e a infusão pelo menos 6 minutos antes do início do procedimento.

Dose bolus: A dose pode ser de 0,5 a 1 μg/kg.

Infusão contínua: Pode ser feita entre 0,5 – 1 μg/kg/h, ajustada sempre de acordo com o plano anestésico e respostas frente ao estímulo cirúrgico.

Efeitos adversos: Bradicardia e depressão respiratória.

Remifentanil

O remifentanil é um derivado do fentanil, que é biotransformado principalmente por esterases plasmáticas, ou seja, de forma extra-hepática, resultando em meia-vida de apenas 6 minutos, com rápida eliminação. Isso faz com que não haja efeito cumulativo, mesmo em infusões prolongadas, sendo a primeira escolha para pacientes hepatopatas. Por outro lado, é necessário manter a infusão contínua para manter seus efeitos analgésicos. Como o efeito analgésico é interrompido após a parada da infusão, recomenda-se, caso necessário, a administração de outro opioide com efeito mais duradouro para que ocorra um efetivo controle da dor pós-operatória.

Infusão contínua: A taxa de infusão contínua do remifentanil é de 6 a 12 μg/kg/h e não necessita de bolus inicial.

Possíveis efeitos adversos: Bradicardia, depressão respiratória, sedação e vômito, que podem ser reduzidos com a administração IV lenta.

Butorfanol

O butorfanol é um opioide agonista-antagonista, sendo antagonista competitivo no receptor μ e um agonista do receptor κ. Esta atividade mista resulta em analgesia e menor incidência de depressão respiratória e da motilidade intestinal, quando comparados a agonistas μ. Também possui efeitos antussígeno e antiemético. Não é muito comum sua utilização em infusões contínuas em cães, mas pode ser utilizado para procedimentos que resultem em dor leve a moderada.

Dose bolus: A dose pode ser de 0,2 a 0,4 mg/kg.

Infusão contínua: 0,1 a 0,2 mg/kg/h.

Possíveis efeitos adversos: Como antagonista do receptor μ, não deve ser utilizado quando for necessário implementar terapia analgésica com outros opioides, como a morfina, pois pode anular o efeito analgésico dos opioides agonistas totais.


Taxas de infusões contínuas dos principais opioides administrados em cães


OpioideBolusTaxa de infusãoIndicaçõesLimitaçõesAnalgesia residual
Morfina0,2 – 1 mg/kg0,1 – 1 mg/kg/hDor moderada a severaÊmese; induz a liberação de histamina por via IV rápida.2 – 4 horas
Metadona0,25 – 0,5 mg/kg0,05 – 0,2 mg/kg/hDor moderada a severa; pacientes refratários à morfinaAlterações cardiovasculares3 – 4 horas
Fentanil2 – 10 μg/kg2 – 5 μg/kg/hDor moderada a severaDepressão cardiorrespiratória30 minutos – 2 horas
Sufentanil0,5 – 1 μg/kg0,5 – 1 μg/kg/hDor moderada a severaDepressão cardiorrespiratóriaDespresível
Remifentanil—-6 – 12 μg/kg/hDor moderada a severa. Hepatopatas.Depressão cardiorrespiratóriaDespresível
Butorfanol0,2 – 0,4 mg/kg0,1 – 0,2 mg/kg/hDor leve a moderada; dor visceralLimita a utilização de opioides agonistas μ no pós-operatório1 – 4 horas

Naloxona

A naloxona é um opioide que atua como um antagonista total de receptores μ, κ e δ. Altas doses de naloxona antagonizam os efeitos centrais dos agonistas opioides e podem desencadear dor aguda e estimulação simpática (taquicardia, hipertensão pulmonar, edema e arritmias). Indica-se a administração de naloxona por titulação cuidadosa e doses múltiplas podem ser necessárias para manter os efeitos antagônicos devido à sua curta duração de ação.

Doses recomendadas: 10 a 40 μg/kg IV. Aconselha-se iniciar com a dose mais baixa e repetir a administração a cada 1 ou 2 minutos até que o efeito desejado seja alcançado.

So...

É possível afirmar que a infusão contínua de opioides em cães pode trazer benefícios como redução de anestésicos inalatórios e excelente analgesia em cirurgias de dor moderada a severa. As taxas devem ser sempre adequadas de acordo com a clínica do paciente, fornecendo analgesia adequada, mas minimizando os efeitos indesejáveis. Alguns efeitos podem ser notados no período pós-operatório, como efeitos residuais, especialmente depressão respiratória, que podem ser revertidos com a naloxona.


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Chuang et al. Comparison of the effects of morphine-lidocaine-ketamine and fentanyl-lidocaine-ketamine combinations administered as constant rate infusions on postprocedure rectal temperature in dogs. Am J Vet Res, 81:58–64, 2020.
Hill SA. Pharmacokinetics of drug infusions. Cont Educ Anaesth Critc Care Pain, 4:76–80, 2004.
Monteiro et al. Effects of remifentanil on the minimum alveolar concentration of isoflurane in dogs. Am J Vet Res, 71:150-156, 2010.
Simões et al. Effects of a prolonged infusion of fentanyl, with or without atropine, on the minimum alveolar concentration of isoflurane in dogs. Vet Anaesth Analg, v43:136–144, 2016.


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